terça-feira, 28 de fevereiro de 2012

Destino XX: Potosí


A caminho de Potosí, no ônibus que subia as curvas estreitas das montanhas, estava sentado ao meu lado um homem simples e simpático que me deu a melhor aula de cultura boliviana. A minha pergunta foi totalmente fora de contexto ("Sabes cuál es la patrona de Bolívia?") e a resposta dele foi muito mais abrangente ("Voy a mostrarte un poco sobre los pueblos bolivianos.") Com o celular, o senhor (que esqueci o nome) me mostrou fotos de onde morava, das festas, dos rituais, da família, da cidade, da neve e das lhamas. À medida que me mostrava, ele explicava o que significava e como eram feitas as festividades. Ele mora num pueblo, longe das outras cidades, aonde quase todos da cidade pertencem a mesma família. Vivem da agricultura e da criação de lhamas. Pachamama é muito mais que uma religião, é a direção a qual se orienta as suas vidas.
Foi só começar a dormir que cheguei a Potosí. Era madrugada e eu estava completamente desnorteado. Comigo desceram do ônibus um casal suíço e um francês. Perdi a vergonha e perguntei a eles se eu poderia ir com eles para onde se hospedariam. Tomamos um táxi e fomos para um hotel feio que dói. Talvez fosse uma hospedaria porque haviam famílias que pareciam estar ali há algum tempo. Descobri que esse também é um lugar aonde ficam os viajantes a trabalho só para passar a noite. Trinta pesos bolivianos, sem café, sem internet, sem água quente e uma cama que fazia um U. Tudo bem... Eu só precisava dessa última para descansar. O casal suíço não quis ficar porque não havia cama de casal. Ficamos eu e o francês num quarto com duas camas e uma televisão. Foi o primeiro francês que conheci que falava mais español que english. O que foi bom pra conversarmos un montón antes de dormir.
No outro dia de manhã acordei cedo, fui tomar café no mercado e procurei a agência de turismo para fazer o tour pelas minas. Potosí era uma das cidades que eu mais queria conhecer na Bolívia pelo que li no livro As veias abertas da América Latina, pela sua história tão importante na colonização e enriquecimento dos espanhóis sobre os povos andinos. Foi considerada a cidade mais rica do mundo na época do auge da prata e se assemelha a Ouro Preto (chamada de "Potosí de ouro") pelas ruas estreitas e casas no estilo colonial.
O tour pelas minas foi uma coisa muito marcante pra mim. Estar ali como um turista num lugar aonde foram mortos 8 milhões de indígenas forçados a trabalhar dia e noite não me fazia muito bem. Eu ficava até mesmo incomodado de tirar fotos dos mineiros que trabalhavam enquanto passeávamos por ali. É claro que hoje a história é diferente. Aqueles que trabalham nas minas pertencem a corporativas e, apesar do trabalho extremamente brutal, ganham bem por isso. Entrar num buraco e caminhar mais de 2 km por túneis fechados, alagados e chegando a um calor seco de 70°C eram coisas que eu nunca imaginei um dia fazer.
À noite, um chincharón (carne de porco com batata e milho) para degustar comendo com as mãos e uma Paceña pra refrescar antes do próximo destino.

Notas:
- A partir do governo de Evo Moralez, os rituais como o culto à Pachamama e os dialetos quechua e aymara passaram a ser reconhecidos como tradição cultural da Bolívia.
- Antigamente o preconceito era tão forte que os homens poderiam ser escolhidos para servir ao exército de acordo com o sobrenome. Se o sujeito tinha um apellido espanhol tinha mais chances de ir para as forças armadas do que um homem com sobrenome indígena.
- Potosí é a cidade mais alta do mundo, situada a 4.070 metros de altitude. Foi planejada como uma cidade espanhola e ainda é uma das cidades mais importantes da Bolívia. As igrejas católicas preservam tanto a arte andina como a cristã. A cidade é movimentada e bem povoada, mas ainda assim é uma cidade silenciosa.
- Dentro das minas os espanhóis colocavam uma imagem do diabo para que os índios o adorassem. Ainda hoje a imagem do "tio" (como os índios o chamavam) está nas minas e é presenteada com cigarros e álcool.
- Galeano escreve que com os ossos dos índios mortos nas minas de Potosí era possível construir uma ponte da América à Espanha.

Nenhum comentário:

Postar um comentário