quarta-feira, 8 de junho de 2011

Fazenda Figueira


Entrei num ônibus com extraterrestres. Embora os passageiros tivessem a aparência humana, a impressão é de que eu estava embarcando numa viagem espacial. As pessoas que estavam no ônibus tinha um olhar perdido como se nada que estivesse ao redor tivesse importância. A maioria das mulheres tinham o cabelo bem curto, um cara lia o "O Evangelho segundo João" de Rudolf Steiner e eu observava a paisagem urbana da cidade se transformar em paisagem natural, imaginando pra onde é que eu estava indo.
A história dessa fazenda começa com José Hipólito Trigueirinho Netto ou, simplesmente, Trigueirinho. Ele foi roteirista, diretor e produtor cinematográfico brasileiro que depois de realizar seu único filme, abandonou o cinema e tornou-se líder espiritual, publicando mais de 70 livros. No início dos anos 80, fundou uma comunidade espiritual chamada "Comunidade de Nazaré", em Nazaré Paulista (SP) e no final dessa mesma década recebeu como "empréstimo por 100 anos"* um terreno em Carmo da Cachoeira, sul de Minas, para fundar a "Comunidade de Figueira".
Desci num local chamado "Vida Criativa" e fui apresentado ao meu aposento, no qual eu ficaria por 7 dias. Era como uma vila, tudo impecavelmente limpo, organizado e bem cuidado. O silêncio era ordem prioritária, evitavam ao máximo as conversas desnecessárias. E pra mim, que chegou um dia antes do retiro do silêncio, fiquei ainda mais impactado pelo clima do lugar. Buscam através do silêncio e da meditação, a expansão da consciência. Dão valor aos reinos vegetais, animais e minerais, reconhecendo neles seres em evolução. O menor impacto ao ambiente pode ser visto nas coletas de lixo e reutilização da água para as tarefas. A alimentação é vegetariana, excluindo todo alimento de origem animal, como leite e ovos.
As atividades do dia acontecem a partir das 5:30 da manhã e vão até 21:30. São coisas simples como lavar os pratos e limpar o jardim. A Lourdes, que me entrevistou, perguntou se eu estava acostumado com o trabalho e quando eu pensei no "trabalho" imaginei algo muito mais pesado. Também dedicam um tempo para o estudo e a oração. Foi nesse tempo que eu pude ler "História de uma alma" de Santa Terezinha, disponível na biblioteca.
Figueira é um lugar muito especial mesmo. Dizem que é uma manifestação externa de uma cidade intraterrena chamada Mirna Jad. Em alguns bosques e casas de oração é possível sentir uma energia incrível. Eu, convicto da minha religião católica, consegui absorver o que era bom para mim e evitar o que não me interessava. Aproveitei o momento para concentrar em minha personalidade e estudar essa outra forma esotérica de entender o espírito. No entanto, comecei a discordar de algumas coisas e acredito que fui embora no momento certo.
O Amor, segundo Trigueirinho e as hierarquias, é uma energia pura que se transmite pelo trabalho, pela imparcialidade, pelo silêncio e pela doação. Não consegui deixar de ver isso como uma "anulação do eu" e fiquei incomodado por não concordar com isso. O Amor pra mim é algo tão forte que quando é verdadeiro e intenso, preenche o nosso ser e naturalmente se expõe de várias formas, num sorriso, num abraço, numa música, numa dança. E ali eu me sentia tão bem com isso, tão em paz, que a minha vontade era rir, dar um bom dia, abraçar alguém. Algumas pessoas até me recebiam bem, mas eu me sentia um patinho feio alegre no meio de um tanto de ganso bonito triste.
Apesar do pouco tempo, conheci alguns amigos dos quais vejo como valeu a pena passar por aquele lugar. É o que guardo de melhor de Figueira.

*Não sei ao certo quantos anos de empréstimo do terreno.

Foto: Meu iglu.

Nenhum comentário:

Postar um comentário